Numa democracia ideal, que talvez tenha existido um dia em algum lugar da terra, os candidatos (a qualquer cargo que seja) seriam todos cidadãos comuns. Eles deixariam suas ocupações, temporariamente e a contragosto, aceitando sacrificar alguns anos de vida para defender sua profissão ou sua categoria e para promover projetos nos quais eles acreditariam.
Esses cidadãos, impelidos a se candidatar por quem compartilha suas aspirações ou seus interesses, uma vez eleitos, preencheriam seu mandato sabendo que logo voltariam a sua vida anterior, aliás, não desejando nada tão ardentemente quanto essa volta à sua vida anterior.
Na contramão desse ideal, cedo na história da democracia moderna, a política se tornou uma profissão, com esta consequência banal: para o político, ser eleito e reeleito se tornou desejável em si.
De uma situação em que alguém era escolhido por seus pares e por eles empurrado a representá-los, passamos de uma situação em que alguém quer ser eleito e deve, portanto, seduzir os eleitores.
Para seduzir, os candidatos poderiam elaborar propostas e projetos que cairiam ou não no agrado dos outros cidadãos. Mas esse caminho é, sobretudo, pouco previsível: será que eles gostarão?
Mais seguro é recorrer a um marqueteiro, sondar os cidadãos, descobrir o que pensam e propor ao eleitorado logo o que sua maioria deseja.
Fora as poucas exceções de alguns candidatos outsiders, que se apresentam sem máscara, é difícil saber o que um candidato pensa. Em geral, ele nos apresenta , digamos assim, sua máxima aproximação possível do que, segundo as pesquisas de mercado, é a opinião dos eleitores.
Ou seja, o que escutamos de um candidato é o que ele pode dizer sem contradizer a expectativa da maioria. Evidentemente, essa necessidade de oferecer ao eleitor o que ele deseja ouvir pode ser limitada por vários escrúpulos: o candidato evitará deturpar totalmente a sua história ou contradizer as suas convicções fundamentais.
Mesmo assim, quando o candidato discorda radicalmente do que pensa a maioria dos cidadãos, ele se expressa por omissão, cala-se, suspende seu juízo para não afastar os eleitores. O mesmo acontece quando se trata de questões em que é difícil determinar o que os eleitores gostariam de ouvir.
Minha simpatia vai, espontaneamente, para os políticos que não parecem se importar com o que pensam os eleitores. E meu discurso político ideal é a breve fala de Churchill, aceitando o cargo de primeiro ministro da Inglaterra, em 13 de maio de 1940: "Não tenho nada para lhes propor, se não sangue, esforço, lágrimas e suor".
Claro, não era um discurso para ser eleito; além disso, era o começo da Segunda Guerra Mundial, e, naquela situação, não era preciso seduzir : o consenso era quase garantido. Mesmo assim, a grandeza da alocução, a razão pela qual ela ainda é lembrada, está no fato de que Churchill tratou os cidadãos como gente grande.
Ora, nas campanhas eleitorais atuais (não só nesta e não só aqui no Brasil), é fácil ter a impressão de que somos tratados como idiotas. Não é supreendente de que muitas vezes, que o que os candidatos propõem à nossa apreciação é uma espécie de mínimo denominador comum de nossa própria ''inteligência''.
A experiência de escutar a propaganda eleitoral é consternadora, não pela suposta ''miséria'' do discurso dos candidatos, mas porque a propaganda tenta nos seduzir com a miséria de nosso próprio pensamento em seu mínimo denominador comum, que é próximo da idiotice.
De qualquer forma, no jogo eleitoral moderno, ninguém cresce, nem os candidatos (que não precisam pensar nada de novo), nem nós eleitores (que apenas ouvimos o que já estava em nossa ''inteligência'' mínima comum).
Em suma, o que deveria ser o grande momento da vida democrática dá prova de uma extraordinária esterilidade: nenhuma invenção, mas, ao contrário, uma condenação de todos, eleitores e candidatos, à mediocridade.
-Contarto Calligaris (psicanalista e colunista da Folha)