É no coração da alma

É no brilho do olho, é no sentimento verídico de um sorriso, é nos atos do dia a dia, é na maneira como se fala com estranhos, é no fitar perdido ao nada, enchendo-se de amor ao falar do futuro. É assim que se vê quando alguém tem aquele pequeno e esmagador diferencial, aquela luz que move hoje o meu mundo. Não são nas palavras, são nos atos, no real, não no que é bonitinho.

Esterilidade das Eleições

Numa democracia ideal, que talvez tenha existido um dia em algum lugar da terra, os candidatos (a qualquer cargo que seja) seriam todos cidadãos comuns. Eles deixariam suas ocupações, temporariamente e a contragosto, aceitando sacrificar alguns anos de vida para defender sua profissão ou sua categoria e para promover projetos nos quais eles acreditariam.
Esses cidadãos, impelidos a se candidatar por quem compartilha suas aspirações ou seus interesses, uma vez eleitos, preencheriam seu mandato sabendo que logo voltariam a sua vida anterior, aliás, não desejando nada tão ardentemente quanto essa volta à sua vida anterior.
Na contramão desse ideal, cedo na história da democracia moderna, a política se tornou uma profissão, com esta consequência banal: para o político, ser eleito e reeleito se tornou desejável em si.
De uma situação em que alguém era escolhido por seus pares e por eles empurrado a representá-los, passamos de uma situação em que alguém quer ser eleito e deve, portanto, seduzir os eleitores.
Para seduzir, os candidatos poderiam elaborar propostas e projetos que cairiam ou não no agrado dos outros cidadãos. Mas esse caminho é, sobretudo, pouco previsível: será que eles gostarão?
Mais seguro é recorrer a um marqueteiro, sondar os cidadãos, descobrir o que pensam e propor ao eleitorado logo o que sua maioria deseja.
Fora as poucas exceções de alguns candidatos outsiders, que se apresentam sem máscara, é difícil saber o que um candidato pensa. Em geral, ele nos apresenta , digamos assim, sua máxima aproximação possível do que, segundo as pesquisas de mercado, é a opinião dos eleitores.
Ou seja, o que escutamos de um candidato é o que ele pode dizer sem contradizer a expectativa da maioria. Evidentemente, essa necessidade de oferecer ao eleitor o que ele deseja ouvir pode ser limitada por vários escrúpulos: o candidato evitará deturpar totalmente a sua história ou contradizer as suas convicções fundamentais.
Mesmo assim, quando o candidato discorda radicalmente do que pensa a maioria dos cidadãos, ele se expressa por omissão, cala-se, suspende seu juízo para não afastar os eleitores. O mesmo acontece quando se trata de questões em que é difícil determinar o que os eleitores gostariam de ouvir.
Minha simpatia vai, espontaneamente, para os políticos que não parecem se importar com o que pensam os eleitores. E meu discurso político ideal é a breve fala de Churchill, aceitando o cargo de primeiro ministro da Inglaterra, em 13 de maio de 1940: "Não tenho nada para lhes propor, se não sangue, esforço, lágrimas e suor".
Claro, não era um discurso para ser eleito; além disso, era o começo da Segunda Guerra Mundial, e, naquela situação, não era preciso seduzir : o consenso era quase garantido. Mesmo assim, a grandeza da alocução, a razão pela qual ela ainda é lembrada, está no fato de que Churchill tratou os cidadãos como gente grande.
Ora, nas campanhas eleitorais atuais (não só nesta e não só aqui no Brasil), é fácil ter a impressão de que somos tratados como idiotas. Não é supreendente de que muitas vezes, que o que os candidatos propõem à nossa apreciação é  uma espécie de mínimo denominador comum de nossa própria ''inteligência''.
A experiência de escutar a propaganda eleitoral é consternadora, não pela suposta ''miséria'' do discurso dos candidatos, mas porque a propaganda tenta nos seduzir com a miséria de nosso próprio pensamento em seu mínimo denominador comum, que é próximo da idiotice.
De qualquer forma, no jogo eleitoral moderno, ninguém cresce, nem os candidatos (que não precisam pensar nada de novo), nem nós eleitores (que apenas ouvimos o que já estava em nossa ''inteligência'' mínima comum).
Em suma, o que deveria ser o grande momento da vida democrática dá prova de uma extraordinária esterilidade: nenhuma invenção, mas, ao contrário, uma condenação de todos, eleitores e candidatos, à mediocridade.

-Contarto Calligaris (psicanalista e colunista da Folha)

They don't care about us

Tudo o que eu quero dizer é que

Eles realmente não ligam pra gente